Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Sou

Sou

30 Jan, 2010

Jansenismo

 

 O Jansenismo foi uma teologia cristã que surgiu na França e Bélgica, no século XVII e se desenvolveu no século XVIII.

 O nome porque tem origem nas idéias do bispo de Yprès, Cornelius Jansen. O Jansenismo era uma versão modificada do calvinismo, que por sua vez se baseia na teologia de Agostinho de Hipona.

Podemos distinguir no jansenismo três diferentes aspectos:

- o dogmático, de que o Augustinus é o fundamental representante
- o moral, que tem Antoine Arnauld como principal promotor
- o disciplinar, no qual encontramos Saint-Cyran como modelo

  Com o intuito de reformular globalmente a vida cristã, o holandês Cornélio Jansênio (1585-1638) deu início a um movimento que abalou a Igreja católica durante os séculos XVII e XVIII. Descontente com o exagerado racionalismo dos teólogos escolásticos, Jansênio - doutor em teologia pela universidade de Louvain e bispo de Ypres - uniu-se a Jean Duvergier de Hauranne, futuro abade de Saint-Cyran, que também pretendia o retorno do catolicismo à disciplina e à moral religiosa dos primórdios do cristianismo. Os jansenistas dedicaram-se particularmente à discussão do problema da graça, buscando nas obras de Santo Agostinho (354-430) elementos que permitissem conciliar as teses dos partidários da Reforma com a doutrina católica.

 Essencialmente, o jansenismo ressuscitava a antiga controvérsia pelagiana, um debate teológico na igreja antiga (cerca do ano 400 d. C.) entre Agostinho e Pelágio sobre as questões:

- da graça,

- livre-arbítrio

- e o pecado original.

Em contraste ao ensino jesuíta de que a graça é eficaz quando o recebedor consente e coopera com Deus através do livre-arbítrio, Jansênio ensinava que a graça é totalmente imerecida e por isso concedida ao recipiente por Deus através da predestinação. Assim, as idéias propostas por Jansênio seguiam a tradição do pensamento agostiniano, e não diferente dos pensamentos de João Calvino. Todavia, suas proposições centrais foram declaradas heréticas pelo papa Inocente X em 1653, mas o fogo da controvérsia continuaria a bramar por algum tempo, e no meio deste conflito teológico, Blaise Pascal entraria na arena como um pensador filosófico e polemicista par excellence.

 Jansenismo dogmático

A doutrina dogmática do jansenismo tem uma grande importância, na medida em que dá origem e sustento às outras dimensões. Muitas das prescrições morais e disciplinares do jansenismo são consequência das suas posições dogmáticas.

A doutrina jansenista filia-se num agostinianismo pouco crítico e lido com os olhos de Baio, apresentando neste aspecto um nítido parentesco com as doutrinas protestantes, sobretudo as calvinistas, sobre a graça, a natureza humana e a predestinação. O ponto central e essencial é uma antropologia pessimista, que vê no pecado original a corrupção da natureza humana, doravante incapaz de qualquer obra boa e fatalmente inclinada para o mal.

Intrinsecamente corrompido pelo pecado, o homem torna-se um joguete de duas forças antagônicas: a concupiscência e a graça. Cada uma delas exerce sobre o homem uma determinação interna a que ele não pode resistir. Ou seja, assim como o homem que recebe a graça age forçosamente segundo essa graça, assim também aquele a quem a graça não é dada segue fatalmente a concupiscência. A liberdade do homem salvaguardar-se-ia pelo facto de tanto a graça como a concupiscência apenas determinarem o homem internamente, deixando-o livre da coacção externa. Nisto consiste a diferença em relação ao protestantismo.

A graça, portanto, é de tal modo determinante que, uma vez recebida, o homem não pode resistir-lhe. Daí que toda a graça é eficaz, pelo que não existe a graça suficiente, a graça que seria concedida sempre e a todos, mas que poderia não ser seguida pelo homem.

Diversas são as implicações desta doutrina. Por um lado, o pecado pessoal significa necessariamente uma privação da graça: quem peca, é porque não tem graça, pois se a tivesse agiria segundo ela. Por outro lado, o homem não tem mérito nas boas obras, pois elas são fruto da graça que interiormente o determina, e não da sua liberdade. Além disso, o homem privado da graça (e uma vez que não há graça suficiente, ela é sempre ocasional) peca infalivelmente e é incapaz de qualquer boa obra, pois segue sempre a concupiscência. Daí que as obras dos infiéis sejam sempre pecado, pois estão privados da graça eficaz proveniente da redenção de Cristo. Uma outra implicação mais grave brota de toda esta doutrina. O homem só realiza boas obras por virtude da graça eficaz. Ora, tal graça não é sempre concedida, mas é Deus que com absoluta liberdade determina a quem a concede. Logo, é Deus que determina quem são os que realizam boas obras e, consequentemente, aqueles que se salvam e aqueles que se condenam. A consequência lógica do jansenismo é a doutrina da predestinação. Aqui temos mais um forte ponto de contacto com o calvinismo.

Por conseguinte, Cristo não morreu por todos os homens, mas somente por aqueles que se salvam, os eleitos, e só esses recebem a graça. No fundo, com o jansenismo assistimos mais uma vez à tentativa, tão presente nas heresias dos primeiros séculos, de admitir na Igreja apenas as pessoas puras e perfeitas, e não todos os homens que estejam dispostos ao arrependimento. Todas estas doutrinas, duma forma ou doutra estão presentes no Augustinus, e foram condenadas por diversas vezes pela Igreja Católica.

 Jansenismo moral

Mas não foi o aspecto dogmático do jansenismo que originou a sua grande difusão e popularidade. Foi antes a sua doutrina moral. Como dissemos, podemos encontrar um eloquente exemplo da moral jansenista em Arnauld e no seu livro De la fréquente communion. Mas devemos buscar a doutrina moral do jansenismo também nas fontes anteriores, a começar pelo Augustinus.

Nesta obra, no tomo II, encontramos os fundamentos da moral jansenista. Segundo o autor, a ignorância, ainda que invencível, não escusa do pecado, porque tal ignorância é precisamente a consequência do pecado original. Além disso, como vimos, o homem, sem a graça, peca necessariamente, a sua natureza arrasta-o sempre irresistivelmente para o pecado, de tal modo que, se o homem, por suas forças, pretender escapar a um pecado, cai fatalmente noutro. Ou seja, o pecado é inevitável na vida humana. Daí todo o pessimismo jansenista em relação à natureza humana, que tanto leva ao desprezo por todas as obras, ainda que aparentemente meritórias, dos pecadores e dos infiéis, como conduz a um extremo rigorismo no que diz respeito a qualquer possível “cedência à natureza”.

Saint-Cyran foi o iniciador da prática moral jansenista. A penitência, para ele, era tratada com um imenso rigorismo. Assim, dizia ele que a absolvição não perdoava propriamente os pecados, mas declarava sim que eles haviam sido perdoados por Deus. Deste modo, era necessária uma contrição perfeita para que a absolvição fosse válida, pois a simples atrição era insuficiente. A consequência prática disto era a recusa da absolvição aos pecadores reincidentes e àqueles em que não fosse certa uma perfeita contrição. As religiosas de Port-Royal tinham por hábito não se atreverem a receber a absolvição, por não se julgarem preparadas…

Em relação à comunhão, as condições exigidas também eram bastante rigoristas. Exigia-se a perfeição, de modo que acabava por ser considerada mais meritório o desejo de comungar, ou a “comunhão espiritual”, do que a própria comunhão eucarística. Daí que um dos efeitos do jansenismo, através dos tempos, tenha sido precisamente o afastamento dos sacramentos.

Esta atitude relativamente à recepção dos sacramentos é facilmente compreensível se tivermos em conta que Deus, para o jansenismo, aparece como o terrível juiz que decide arbitrariamente da nossa sorte, de modo que a relação com Ele, como dissemos, é baseada no temor e não no amor. Todo este rigorismo aparecia como contraposição ao laxismo que os jansenistas personificavam nos jesuítas. E, de facto, um dos méritos do jansenismo foi precisamente a denúncia desse laxismo que imperava na vida cristã de muitos. O erro, porém, foi condenar, junto com o laxismo, todo o probabilismo e a preocupação pastoral, a favor dum rigorismo teórico e desencarnado.

Jansenismo disciplinar

A nível disciplinar, o jansenismo advoga uma reforma da Igreja que elimine as perniciosas novidades introduzidas desde o tempo dos antigos padres e os desvios operados por escolásticos e jesuítas. Isto baseado na concepção da Igreja como sociedade imutável, de origem divina, e como tal isenta de qualquer mudança.

O que vem a acontecer, fruto das sucessivas condenações de que o jansenismo foi vítima, é que se advoga um aumento da autoridade da hierarquia local, em detrimento da do Papa. Com o tempo, ainda, face às perseguições, o jansenismo procura fazer alianças com as autoridades civis, a fim de melhor resistir, e nesse aspecto assume um significado político. Sobretudo a partir do séc. XVIII, o jansenismo relaciona-se com a pretensão de independência face à Igreja de Roma e confunde-se com a criação de Igrejas nacionais.

Neste ponto, é interessante notar um paradoxo que acompanhou o jansenismo desde o seu início: os seus defensores sempre declararam a sua pertença à Igreja e a sua vontade de se submeterem aos seus juízos. Jansen, à hora da morte, declarou submeter-se de antemão ao juízo da Igreja. O Augustinus, aliás, tinha uma dedicatória ao papa Urbano VIII, que não chegou porém a ser impressa, devido à proibição que esse mesmo papa fizera da publicação. Mas assim como se declaravam dispostos a obedecer, os jansenistas também procuraram sempre todos os subterfúgios para continuarem a defender as suas idéias, apesar das condenações.