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Sou

Sou

02 Ago, 2008

Velhos

 

    Pais heróis e mães, rainhas do lar.

 Passamos boa parte da nossa existência cultivando estes estereótipos.

 Até que um dia o pai herói começa a passar todo o dia sentado, resmunga baixinho e puxa uns assuntos sem pés, nem cabeça.

 A rainha do lar começa a ter dificuldades de concluir as frases e dá para implicar com a empregada.

 O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para a outra?

Fizeram 80 anos.

Nossos pais envelhecem.

Ninguém os havia preparado para isso.

Um belo dia ficam vulneráveis, perdem o garbo e adquirem umas manias bobas. Estão cansados de cuidar e de servir de exemplo: agora chegou a vez de eles serem cuidados e mimados por nós, nem que para isso recorram a uma chantagenzinha emocional.

Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo, e o que não sabem eles inventam.

Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como  a comer escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele. Ficam tristes de repente. Mas não estão caducos.

Caducos ficam os filhos que se recusam a aceitar o ciclo da vida.

 É complicado aceitar que nossos heróis e rainhas já não estão no controle da situação. Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm esse direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina.

Não admitimos as suas fraquezas, seu desânimo.

Ficamos irritados se eles nos atrapalham com o celular e ainda temos cara de pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso: calça de brim, frege, auto de praça?

Em vez de aceitarmos com serenidade o fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento com o passar dos anos, simplesmente ficamos irritados por eles por nos terem traído a confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis como os super heróis.

Provocamos discussões inúteis e os enervamos com a nossa insistência para que tudo siga como sempre foi.

Esta nossa intolerância só pode ser medo.

Medo de perdê-los, e medo de perdermo-nos a nós mesmos, medo também de deixarmos de ser lúcidos e joviais. É uma enrascada essa tal  de passagem do tempo.

 Ensinam-nos a tirar proveito de cada etapa da vida, mas é difícil aceitar as etapas dos outros, ainda mais quando os outros são papai e mamãe, nossos alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar, e que agora estão dão sinais que um dia vão partir sem nós.



Marta Medeiros