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Sou

Sou

Anjo acordando o profeta ELIAS -óleo sobre tela de Juan Antonio de Frias e Escalante

 

  

"«Dais muito pouco quando estais a dar o que vos pertence.
Só quando vos dais a vós próprios é que estais verdadeiramente a dar.

Pois o que são as vossas pertenças senão aquilo que guardais com medo de necessitar amanhã?

E amanhã, que trará o amanhã ao cão prudente que vai enterrando ossos na areia sem marcas enquanto segue os peregrinos até à cidade santa?

E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?

Não é o receio da sede que sentis quando o vosso poço está cheio, da sede insaciável?

Há aqueles que dão pouco do muito que têm, e fazem-no para conseguirem reconhecimento e o seu desejo oculto torna as suas dádivas sem valor.

E há aqueles que, tendo pouco, tudo dão.

Esses são os que acreditam na vida e na magnificência da vida e o seu cofre nunca está vazio.

Há aqueles que dão com alegria, e essa alegria é a sua recompensa.
E há aqueles que dão com dor e essa dor é o seu baptismo.

E há aqueles que dão e não conhecem a dor ao dar, nem procuram alegria, nem dão para se sentirem virtuosos; Dão, tal como no vale a murta exala o seu perfume para o espaço.

E através das mãos desses que Deus fala, e por detrás dos seus olhos que Ele sorri para a terra.

É bom dar quando vos é pedido, mas é melhor dar se vos pedirem só através da compreensão; E para o que tem as mãos abertas a busca daquele que vai receber é uma alegria maior do que dar.

E que podereis conservar?
Tudo o que possuís será um dia dado.
Por isso dai agora, agora que a época da dádiva pode ser vossa e não dos vossos herdeiros.

Dizeis muitas vezes "Eu daria, mas só a quem o merecesse".
As árvores do vosso pomar não dizem isso, nem os rebanhos nas pastagens. Eles dão para poder viver, pois não dar é perecer.

Aquele que é merecedor das suas noites e dos seus dias é com certeza merecedor de tudo.
E aquele que mereceu beber do oceano da vida merece encher a taça no vosso ribeiro.

E que deserto maior haverá do que aquele que assenta na coragem e na confiança de receber?

E quem sois vós para que os homens se desnudem e exponham o seu orgulho, para que os possais ver nus e com o orgulho a descoberto?

Certificai-vos primeiro de que sois dignos de dar e de ser instrumento da dádiva. Pois, na verdade, é a vida que dá à vida, enquanto vós, que vos considerais dadores, não passais de testemunhas.

E vós, os que recebeis – e todos recebeis – não carregueis o fardo da gratidão, pois estareis a colocar um jugo sobre vós e sobre aquele que dá.

Erguei-vos antes juntamente com o que dá, sobre essas dádivas como se elas fossem asas; Porque ter demasiada consciência da vossa dívida é duvidar da generosidade daquele que tem a terra de coração livre como mãe e Deus como pai.»

excerto do livro O Profeta"  Kahlil Gibran

 

o

 

 

 

"No jardim de um hospital psiquiátrico conheci um jovem formoso de rosto pálido e encantador...

Sentando-me a seu lado num banco, perguntei-lhe:

- Porque estás aquí?

Olhando-me, com estranheza, disse:

- Essa é uma pergunta pouco própria, mas, de qualquer modo, responderei.

Meu pai quis fazer de mim uma cópia dele; o mesmo ocorreu com o meu tio. Minha mãe queria que fosse igual ao seu pai. Minha irmã apontava o seu esposo, oficial da marinha, como o modelo de perfeição a seguir. Meu irmão, excelente atleta, pensava que eu devia ser como ele.

E também os meus professores, de filosofia, de música, de matemática, me incitavam a ser um reflexo deles num espelho.

Por isso vim para aqui. Parece-me mais saudável. Pelo menos poderei ser eu mesmo.

De repente, voltou-se para mim, e disse:

Diz-me tu, agora. Vieste parar a este lugar guiado pela educação e pelos bons conselhos?

Eu respondi:

- Não, sou só um visitante.

Então ele disse:

- Ah!!!. És um daqueles que vive no manicómio, mas, do outro lado do muro?


 Khalil Gibran

 

 

Dos Filhos

 


(...) E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: “Fala-nos dos filhos.”

 

 

E ele disse:

 

 

Vossos filhos não são vossos filhos.

 

 

São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma.

 

 

Vêm através de vós, mas não de vós.

 

 

E, embora vivam convosco, a vós não pertencem.

 

 

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,

 

 

Pois eles têm seus próprios pensamentos.

 

 

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

 

 

Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

 

 

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis faze-los como vós,

 

 

Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

 

 

Vós sois o arco dos quais vossos filhos, quais setas vivas, são arremessados.

 

 

O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com Sua força para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.

 

 

Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:

 

 

Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco, que permanece estável.

 

 

 

Kahlil Gibran