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Sou

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o das Mochilas...


”O ser humano caminha pelo mundo sempre em fila indiana. Carrega em sua jornada duas mochilas, uma na frente e uma em suas costas. Na da frente leva suas virtudes e qualidades e mantém seus olhos atentos a elas, na das costas leva seus defeitos e dificuldades. Carrega suas virtudes bem próximo ao peito, enquanto observa os defeitos e dificuldades do outro a sua frente, sem se dar conta que aquele que vem atrás, pensa o mesmo dele”.

Essas mochilas fazem parte de nós. Durante o nosso desenvolvimento emocional enchemos as nossas mochilas com os nossos conhecimentos e desconhecimentos de nós próprios. As confirmações e desconfirmações às quais somos submetidos durante o crescimento, vão carregando-as, ora a da frente, ora a de trás. Elas são responsáveis, entre outras coisas, pela nossa autopercepção, segurança interna e auto-estima que influenciam e moldam as nossas propostas de relação.

Realmente trazemos dentro de nós esta difícil equação.
Como nos relacionarmos de forma positiva e saudável, sem enaltecermos demasiadamente as nossas qualidades, negá-las ou envergonhar-se delas? A busca pela saúde emocional, leva-nos a andar simplesmente, ora lado a lado, ora em nossa velha fila indiana, ora alternadamente, buscando relações simétricas e algumas vezes complementares, mas tentando olhar e aceitar nossas diferenças e similaridades que regem a intensidade do ser humano.

Quanto às dificuldades e defeitos, continuaremos a observá-los e a carrega-los, mesmo que andemos lado a lado. Precisamos de nossas mochilas traseiras para contrabalançar o peso que carregamos, mantendo nossas costas eretas e rectas. Quando valorizamos demasiado as nossas virtudes e nos cegamos para os nossos defeitos, tornamos nossa mochila da frente muito pesada o que obriga nosso corpo a dobrar-se para a frente e impede que vejamos com clareza nosso objectivo. Como consequência, passamos a observar e a valorizar atentamente cada "pedra" do nosso caminho, já que estamos totalmente inclinados e com nossa atenção voltada às pedras.

Se carregarmos demais nossa mochila das costas, exacerbando os nossos defeitos e dificuldades, forçamo-nos a olhar para o céu, buscando um ideal, uma perfeição. Como resultado cegamo-nos com o excesso de luz, perdendo o referencial de quem somos e do que é possível e desejado, e ficamos apenas com a lembrança de quem gostaríamos de não ser, (nós mesmos). A insatisfação torna-nos rígidos e exigentes, donos de uma autocrítica implacável e na maioria das vezes surge uma imensa solidão como resultado.

Engana-se aquele que acredita que a saída está em negar a mochila das costas, pois não temos como descartá-la, ela faz parte de nós, da nossa condição de ser humano. Engana-se também quem acredita que a solução seja completar a mochila da frente, pois ela se tornará pesada demais e o resultado já conhecemos.

Talvez a saída esteja no entendimento que temos sobre o conteúdo de nossas mochilas, as duas faces de tudo, bom e mal intercalados e complementares. Aprender com os nossos defeitos e dificuldades, conhecendo-os primeiramente, ou seja, passando-os da mochila de trás para a da frente, transformando-os em características e aceitando o seu lado positivo. No começo pode tratar-se de uma jornada difícil, pois alguns passos parecem mais cansados e pesados, mas aprimorando o nosso processo descobrimos que o que entendíamos como defeitos são velhos e conhecidos resultados presentes em muitos de nossa fila indiana.

 

14 Nov, 2008

Lágrima de preta

 

Encontrei uma preta
que estava a chorar
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhai-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

António Gedeão